março 15, 2013

[Cyber Cultura] Tem alguém lhe dando uma mão

Um amigo e antigo colega de trabalho, o Hélio Silva, me passou um artigo bem legal que ele escreveu há muitos anos atrás (em 2002), quando ele escrevia uma coluna sobre Linux no site da Info Exame. Nós dois trabalhamos na mesma empresa e, por um tempo, em áreas correlatas, até que nós dois assumimos a responsabilidade de fazer a gestão da infra-estrutura Internet daquela empresa e o Hélio tornou-se meu chefe.

Trabalhávamos em um grande grupo editorial, na época em que a Internet estava nascendo no país. Tínhamos, na ocasião, um conjunto de 32 endereços de rede classe C, se bem me lembro (pois na época o Nic.br dava endereços IP a rodo, e o fim do IPv4 era algo sequer imaginado). Gerenciávamos a disponibilidade do link, os roteadores, o proxy server, o gateway de e-mail (uma bomba ambulante, que fazia a conversão entre o protocolo SMTP padrão e o CC:Mail, uma solução de e-mail da IBM que para a época já era capenga e caía quase que diariamente) e o Firewall, que foi o primeiro Firewall-1 que instalei, na antiga versão 2.1 (super modernoso para a época), rodando em um servidor SUN (sem monitor, para economizar custos). Vários dos servidores rodavam em Linux, algo que causava arrepios nos nossos gestores e sempre éramos obrigados a usar o mesmo argumento para justificar a escolha: "é o mesmo sistema operacional usado pela NASA." Na prática, a escolha era por conta da estabilidade e confiabilidade, em uma época em que servidores Windows rodavam Windows NT. Mas vai explicar isso para um gerente!? É mais fácil falar sobre a NASA...

Não posso deixar de dizer que tudo o que eu aprendi na época deveu-se principalmente a 5 fatores: minha faculdade (IME-USP), de onde obtive experiência como usuário de estações SUN e tive o primeiro contato com os primórdios da Internet; meu primeiro emprego, em uma revenda da SUN, que me ensinou a debulhar estes servidores e me deu a base que precisava sobre UNIX e, consequentemente, Linux; ao Sandro Enomoto, amigo, colega de faculdade e de profissão, que me recebeu nesta empresa e me ensinou o be-a-bá de administração de servidores em um ambiente de provedor de Internet; o Fred (Frederico Neves, do Nic.br), que foi nosso suporte de 2o nível, recebia minhas ligações desesperadas e me ensinou o que era o TCP Wrapper; e ao Luciano Ramalho, meu primeiro chefe nesta empresa e hoje grande amigo e companheiro do Garoa Hacker Clube, que me deu esta oportunidade e também me deu o meu primeiro livro da O'Reilly: "Managing Internet Information Services" (até hoje guardo este livro comigo).

Sem mais delongas, segue uma cópia do pequeno artigo do Hélio, que ele resgatou milagrosamente do site Internet Archive: Wayback Machine:

"Penta-saudações!

Em 1994 eu trabalhava para uma grande organização que, graças a um visionário, passava por um momento de intensa paixão pela descoberta da Internet. Naqueles dias me foi conferida a responsabilidade de cuidar do acesso corporativo à grande rede, herdando uma infra-estrutura já implantada. Quase tive uma síncope quando percebi que o limite entre uma WAN com mais de 2.000 estações e centenas de servidores era tão somente uma máquina 486 sem marca, rondando uma versão beta 1 ponto alguma coisa do Linux.

A intrépida maquininha rodava um proxy Apache e atendia a milhares de requisições simultâneas, operando 24 horas por dia, 7 dias por semana, sem abrir o bico. Não havia redundância de nada. Se ela parasse um segundo, eu logo descobriria pela freqüência com que meus telefones tocariam. Uma das poucas vezes que isso aconteceu foi quando houve uma limpeza na sala de telefonia, onde essa máquina operava e alguém descuidou-se e...soltou o cabo de força.

Neste tempo eu era zero de Linux, mas contei com a ajuda e a paciência do Kiki, um colega de trabalho que entrou nessa encrenca junto comigo. Ele operava o Linux e, vez por outra, me ensinava um comando ou outro e explicava os fundamentos daquele software misterioso que ali eu aprendi a respeitar.

Todas as semanas a quantidade de usuários aumentava, assim como também aumentavam a quantidade de contas de e-mail. Sim, isso mesmo, além de tudo nossa maquininha era servidor de e-mail para um grupo restrito de usuários. O e-mail corporativo era outro que explico mais adiante.

Com os olhos esbugalhados, já maiores que seus pequenos óculos, o Kiki se assustava quando eu lhe passava os novos pedidos de acesso.

Eu me incumbia das chatices corporativas e ele monitorava e mantinha nossa rede imune a ataques e em operação constante. A chatice corporativa incluía, além das questões burocráticas, um Pentium 133 com o Windows NT que rodava um gateway de e-mail ligando um Lotus cc:mail à internet. A instabilidade do gateway, os constantes paus e a falta de suporte dos fabricantes quintuplicavam meu trabalho e me roubavam noites de sono. Dormia com um olho fechado e o outro mirando o bip sob a cômoda.

Nesse período nefasto, apresentei um bug do software de gateway para o fabricante e recebi uma resposta que jamais esqueceria. Dizia o seguinte: “Nós conhecemos o problema e não vamos resolvê-lo porque não há mais interesse da nossa empresa nesse produto”. Digno de uma moldura e um quadro na parede. Fiquei ali triste e desamparado sem os códigos-fonte do software de gateway, tentando achar um substituto enquanto milhares de usuários, e pior, meus chefes, reclamavam dos problemas. Enquanto isso, o danado do Kiki trocava e-mails com aqueles caras do software livre, fazia updates e correções no Linux que nunca parava.

A estabilidade do Linux chegou a ser mesmo um problema para que conseguíssemos convencer a empresa a fazer um pequeno investimento numa máquina nova e um sistema de firewall mais robusto.

Ali, na escola do desespero, andando no fio da navalha, tinha algo acontecendo que, naquele momento, não conseguia perceber: havia a mão generosa do Kiki e dos eventos me ensinando o novo. Se o NT/gateway não tivesse me roubado tanto tempo, talvez pudesse ter aproveitado mais.

Passados os anos, tomamos rumos e destinos diferentes, Kiki é hoje um especialista em segurança dos mais qualificados, enquanto eu me direcionei para desenvolvimento de aplicações de Internet. Só voltei a me reconciliar com o NT quando desenvolvi, para rodar em um 2000 Server, aplicações pesadas escritas em PHP, que faziam acesso a grandes bancos de dados e que não me tiraram um segundo sequer do meu precioso sono."

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